(...)a inovação pedagógica tem que ver, fundamentalmente, com mudanças nas práticas pedagógicas e essas mudanças envolvem sempre um posicionamento crítico face às práticas pedagógicas tradicionais. É certo que há factores que encorajam, fundamentam ou suportam as mudanças, mas a inovação, ainda que possa depender de todos ou de alguns desses factores (por exemplo, da tecnologia), não é neles que reside.
Encontra-se, ao invés, na maneira como esses factores são utilizados para se fazer como,até aí, não se fazia. Eu costumo dizer que só há inovação pedagógica quando existe ruptura com o velho paradigma (fabril), no sentido que Khun (1962) atribui à expressão ruptura paradigmática, e se cria localmente, isto é, no espaço concreto (ou virtual) onde se movem professores e alunos, um contexto de aprendizagem que contrarie os pressupostos essenciais do paradigma fabril. E onde se desenvolvam, como é evidente, novas culturas escolares, se falamos de instituições escolares, diferentes da matriz escolar comum que, de alguma maneira, unifica todas as escolas ancoradas no mesmo paradigma.(São estas culturas escolares e não outras, clássicas ou eruditas, que, do meu ponto de vista, evidentemente, deveriam ser, em exclusivo, o foco privilegiado da atenção deste colóquio).
Inovação pedagógica como ruptura de natureza cultural, se tivermos como fundo as culturas escolares tradicionais, e abertura para a emergência de culturas novas, provavelmente estranhas aos olhares conformados com a tradição. Para olhos assim, é evidente que resulta complicado definir inovação pedagógica, e tornar consensual essa definição. Mas já não será tão controverso, pelo menos a esta luz, propor a etnografia como forma de estudar as práticas pedagógicas para se decidir se serão inovadoras. Como toda a gente compreende, a inovação pode começar na ideia, mas envolve obrigatoriamente as práticas. E estas só são verdadeiramente entendíveis se olhadas de dentro. Por outro lado, se é verdade que a etnografia convencional tende, pelo seu carácter meramente descritivo, a conformar os nativos com a tradição e a reforçar o status quo, talvez possamos acreditar que um pouco de etnografia crítica, ou seja, o resultado de um olhar qualificado pela experiência directa do terreno, e multirreferencialmente informado e reflectido, talvez possa ajudar a provocar, nem que seja, um pouco de mudança.
Ora, que melhor que uma descrição, formulada do ponto de vista dos nativos de uma comunidade onde acontecem determinadas transacções, chamemos-lhes educativas, pode servir de base para a revelação e interpretação crítica das práticas pedagógicas, nomeadamente as práticas pedagógicas que podem merecer a designação de inovadoras?
Que outra maneira, que não a de sondar directamente a complexa realidade social que constitui uma turma, por exemplo, será mais adequada para compreender esses pontos de vista dos seus nativos – alunos e professores – e poder descrever e interpretar as suas práticas, localizá-las, ou não, na corrente da doxa, entender em que se afastam ou em que medida se integram na ortodoxia vigente?
De facto, a etnografia da educação, sobretudo por recusar qualquer possibilidade de arranjo de natureza experimental, e por, ao invés, estudar os sujeitos nos seus ambientes naturais, pode constituir uma ferramenta poderosíssima para a compreensão desses intensos e complexos diálogos inter-subjectivos que são as praticas pedagógicas. Um diálogo inter-subjectivo, o que decorre entre os actores que povoam um contexto escolar, e narrado “de dentro”, como se fosse por alguém que se torna também actor para falar como um deles. Assim, o trabalho de campo, como refere Michael Genzuk (1993), é uma experiência altamente pessoal, sendo a interligação dos procedimentos de campo com as capacidades individuais (do investigador) e com a variação situacional o que faz do trabalho de campo uma experiência tão personalizada. De facto, a validade e a riqueza de significado dos resultados obtidos dependem directamente e em grande medida da habilidade, disciplina e perspectiva do observador, e é essa, simultaneamente, a sua riqueza e sua fraqueza.
FINO, Carlos Nogueira. A etnografia enquanto método: um modo de entender as culturas (escolares) locais. Disponível em www3.uma.pt/carlosfino/publicacoes/22.pdf (Universidade da Madeira). Acesso e captura em 01/12/10.
Obs. Procurou-se manter o texto em seu original, respeitando-se a Língua Portuguesa de Portugal.
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