1. O rationale do método etnográfico
Segundo Michael Genzuk (op. cit.) etnografia é um método de olhar de muito perto, que se baseia em experiência pessoal e em participação, que envolve três formas de recolher dados: entrevistas, observação e documentos, os quais, por sua vez, produzem três tipos de dados: citações, descrições e excertos de documentos, que resultam num único produto: a descrição narrativa. Esta inclui gráficos, diagramas e artefactos, que ajudam a contar “a história”.
Para Genzuk, os três princípios metodológicos que constituem o rationale do método etnográfico são os seguintes:
a) Naturalismo. O objectivo da pesquisa social é a compreensão do comportamento humano, o que só pode ser conseguido através de um contacto directo e não através de inferências a partir do modo como as pessoas se comportam em ambientes experimentais e artificiais, ou a partir do modo como elas declaram comportar-se, em entrevistas. Esta é a razão pela qual os investigadores etnográficos levam a cabo as suas investigações em cenários “naturais”, que existem independentemente do processo de investigação, em vez de as efectuarem em ambientes especialmente preparados para o efeito. Como é evidente, no primeiro caso – em cenários naturais – o investigador tenta minimizar o efeito da sua presença no comportamento das pessoas em estudo, com o propósito, além da fidelidade, de aumentar as hipóteses de o que vier a ser revelado seja generalizável para situações semelhantes que não foram ainda estudadas. Além disso, a ideia de naturalismo implica que os acontecimentos e os processos sociais devem ser explicados em função da sua relação com o contexto onde decorrem.
b) Compreensão. Quem quiser ser capaz de explicar as acções humanas, de uma forma convincente, deve ser capaz de compreender as perspectivas culturais em que elas se baseiam, sendo este argumento ainda mais importante quando pretendemos estudar situações mais familiares. De facto, quando uma situação é familiar, o risco de não compreensão é muito maior. (Como recorda Driss Alaoui (2002), a importância da etnografia reside, entre outras coisas, na sua capacidade de tornar estranho o que nos é familiar e de levar o observador, pelo acto de olhar, a demorar sobre o observável para o descrever e problematizar). Portanto, talvez não possamos assumir que já conhecemos as perspectivas dos outros, mesmo na nossa própria sociedade, porque alguns grupos ou alguns indivíduos desenvolvem visões do mundo peculiares, sendo isto particularmente verdade em sociedades grandes e complexas. Pequenos grupos étnicos, ocupacionais e informais (incluindo famílias ou turmas escolares) desenvolvem maneiras distintas de se posicionarem perante o mundo, que têm de ser previamente compreendidas, por quem pretende explicar o seu comportamento. Assim, de um ponto de vista etnográfico, é necessário compreender a cultura do grupo em estudo antes de se poderem avançar explicações válidas para o comportamento dos seus membros. Daí a razão para a centralidade da observação participante e das entrevistas não estruturadas no método etnográfico.
c) Descoberta. Outra característica do pensamento etnográfico é a concepção da investigação como um processo indutivo ou baseado na descoberta, em vez de ser limitado pela testagem de hipóteses explícitas. Quem aborda um fenómeno já munido de um conjunto de hipóteses, pode falhar na descoberta da verdadeira natureza desse fenómeno, devido à cegueira que pode derivar de assumpções embebidas nas hipóteses.
No entanto, as hipóteses podem ser importantes em certos tipos de fenómenos sociais, porque, através delas, o foco da investigação concentra-se e torna-se mais preciso, mesmo que vá mudando substancialmente à medida que avança. Ao mesmo tempo e do mesmo modo, ideias envolvendo descrições e explicações do que é observado evoluem no decurso da investigação. O método etnográfico considera essas ideias como sendo resultados importantes e não pré-requisitos para a investigação.
Segundo Hammersley (1990), o termo “etnografia” refere, em termos metodológicos, investigação social que comporte a generalidade das seguintes funções:
a) o comportamento das pessoas é estudado no seu contexto habitual e não em condições artificiais criadas pelo investigador;
b) os dados são recolhidos através de fontes diversas, sendo a observação e a conversação informal as mais importantes;
c) a recolha de dados não é estruturada, no sentido em que não decorre da execução de um plano detalhado e anterior ao seu início, nem são pré-estabelecidas as categorias que serão posteriormente usadas para interpretar o comportamento das pessoas (o que não significa que a investigação não seja sistemática, mas apenas que os dados são recolhidos em bruto, segundo um critério tão inclusivo quanto possível);
d) o foco do estudo é um grupo não muito grande de pessoas, mas, na investigação de uma história de vida, o foco pode ser uma única pessoa;
e) a análise dos dados envolve interpretação de significado e de função de acções humanas e assume uma forma descritiva e interpretativa, tendo a (pouca) quantificação e análise estatística incluída, um papel meramente acessório.
FINO, Carlos Nogueira. A etnografia enquanto método: um modo de entender as culturas (escolares) locais. Disponível em www3.uma.pt/carlosfino/publicacoes/22.pdf (Universidade da Madeira). Acesso e captura em 01/12/10.
Obs. Procurou-se manter o texto em seu original, respeitando-se a Língua Portuguesa de Portugal.
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